Envelhecimento e sociedade: como enxergamos esse processo?

Envelhecimento e sociedade: como enxergamos esse processo?

Vicente Faleiros é graduado em direito e em serviço social, especialista em gerontologia, doutor em sociologia e professor emérito da Universidade de Brasília. Ele foi o convidado do projeto Conexão Boas Práticas 60+, que aconteceu no dia 14 de dezembro, às 15h, e buscou discutir como a velhice e o envelhecimento foram colocados na esfera pública. A íntegra do encontro realizado de forma virtual você encontra no canal do YouTube do CeMAIS:

 
 

Realizadas as aberturas, Vicente iniciou sua fala fazendo um panorama sobre o envelhecimento e os processos que, ao longo do tempo, foram moldando a opinião pública e a forma com que enxergamos as pessoas idosas. Ele lembrou que a velhice não acontece separada da sociedade, mas sim de forma interativa com ela, pois todos estamos inseridos em um determinado contexto, seja ele cultural e/ou familiar. Dessa forma, a velhice está assentada em uma base de interação social, necessitando assim do estado, da sociedade, da família, da vizinhança e de políticas públicas que considerem esse momento de vida. Além de apresentar o contexto, Vicente explicou que existem seis momentos da história que são decisivos para a formação deste pensamento, nos quais o envelhecimento passou de discussões na esfera privada para a pública, tornando assim uma preocupação da sociedade. São eles: a filantropia, o seguro social, a seguridade social, a participação e o direito ao envelhecimento, o envelhecimento ativo, e a política neoliberal.

 
 
 

Filantropia

 

 

 

O primeiro momento abordado foi a filantropia. Vicente explicou que o pensamento de ajudar a pessoa idosa se deu já nos tempos do Brasil Colônia, uma vez que pessoas com mais de 50 anos, que já eram consideradas idosas na época, passaram a ser enviadas para casas de apoio como a Santa Casa, que proporcionavam melhores cuidados àquela pessoa do que sua família. A ideia de oferecer assistência a idosos, principalmente os pobres, se deu inicialmente por meio da filantropia. Ele lembra que a compaixão era o fundamento da ação relativa às pessoas idosas, e que esta compaixão estava fundamentada na religião. "Esse sentimento foi a égide da caridade que fez com que houvesse uma atenção às pessoas idosas , no mais elas ficavam nas famílias. Então era uma política privada de cuidados e que envolviam religião e família."

 

 

 

Seguro social

 
 
 

Foi então com a revolução industrial no final do século 19 que surgiu outro paradigma do envelhecimento: o seguro social. Vicente explica que durante esse período, a indústria presente nas cidades precisou atrair trabalhadores e mão-de-obra de todos os lugares. Após o deslocamento de trabalhadores rurais e o inchaço das cidades, foi necessário cuidar daquelas pessoas que não tinham mais condições de trabalho. "Na zona rural as pessoas continuavam a serem cuidadas pela família ao longo dos anos, mas na indústria o que fazer com aqueles que eram incapazes de trabalhar pela idade ou pela invalidez, já que acidentes de trabalho eram muito comuns?". Vicente coloca que foi criado então o seguro social. De acordo com ele, a velhice foi um objeto incluído na grande crise dos anos 30 como seguro, e se chamou isso de aposentadoria. Realizada pelas caixas asseguradoras, o valor então foi baseado na contribuição dos assalariados e descontado no próprio salário do trabalhador, fazendo assim com que toda essa política fosse baseada nas formas de trabalho. Tendo isso em vista, os governos ao redor do mundo utilizaram desse modelo, principalmente durante a crise dos anos 30, para incentivar o consumo do público idoso por meio da aposentadoria. As pessoas idosas passaram então a entrar na política como consumidores, mas consumidores que foram integrados a partir de um desconto no próprio salário.

 

 

 

Seguridade social

 
 
 

O trabalho era o núcleo central da organização da vida com o assalariamento, o que de acordo com Vicente possibilitou outro paradigma: a seguridade social. Neste momento, o antigo pensamento do seguro social evoluiu, e com o objetivo de cuidar não só da velhice, mas de todas as eventualidades do ciclo da vida, surge a seguridade social. Vicente pontua que foi a seguridade que possibilitou que a sobrevivência do público idoso não seja apenas por meio do trabalho. Ao longo dos anos, governos criaram diferentes políticas para garantirem a seguridade social. No Brasil, essa garantia é feita por meio do tripé composto pelo Sistema Único de Saúde (SUS), que garante acesso à saúde para todos, a Previdência Social, que garante os aspectos econômicos e financeiros, e a Assistência Social, que garante aspectos básicos e fundamentais da vida para aqueles que precisarem.

 

 

 

Envelhecimento ativo

 
 
 

Vicente também lembra que as políticas públicas de envelhecimento no Brasil já tiveram influência da Conferência Internacional do Envelhecimento, principalmente a realizada em 1992, que trouxe um outro paradigma que complementa a seguridade social: o envelhecimento ativo e participativo, e o direito ao envelhecimento. "Com a transição demográfica da população, nós tivemos, a partir dos anos 90, um maior número de pessoas idosas. Alguns consideram isso uma conquista da sociedade, de poder viver mais, com mais qualidade. Então, para manter a qualidade do envelhecimento e não só o benefício, foi acrescida à seguridade social a participação em todas as dimensões da vida da pessoa idosa, como a cultura, a arte e a questão de gênero." De acordo com Vicente, essa transição trouxe a necessidade de pensar essa fase da vida não só com benefícios como acesso à saúde pública ou privada, mas com participação ativa do idoso enquanto cidadão. Dessa forma, diferentemente da aposentadoria que leva a pessoa para o âmbito privado, a seguridade busca incluir novamente o idoso na sociedade, seja por meio da arte, da cultura, e principalmente pelo direito de ir e vir para aqueles que tenham vontade, consigam ocupar espaços que são de todos por direito.

 

O envelhecimento ativo coloca o idoso não só como participante, mas como protagonista de sua vida e de suas escolhas, o que nos leva a outro paradigma, o da participação e do direito ao envelhecimento. Garantir o poder de decisão a uma pessoa idosa é tão importante quanto os benefícios que ela recebe, uma vez que todos possuem o direito de sentirem que realmente estão vivendo as suas vidas, e não que esteja sendo imposta a ela. De acordo com Vicente, essa é uma garantia que deve ser dada pelo Estado, pois é ele quem regulamenta diversos aspectos do nosso dia a dia que são indispensáveis para a pessoa idosa como a sinalização de trânsito, semáforos, faixas de pedestre, acessibilidade a transportes e espaços públicos, entre outros.

 

 

 

Política neoliberal

 
 
 

Ainda sobre os paradigmas, Vicente apresentou o sexto e último pensamento: a política neoliberal que busca colocar a velhice como mercadoria. Ele pontua que a política neoliberal reduz políticas públicas que são essenciais aos idosos como o acesso à saúde pública e o aumento dos anos de contribuição da previdência social, o que segundo ele, pode aumentar também a violência, uma vez que os idosos são pressionados a viver com menos e ainda pressionados pela família para contribuir com a sustentação da mesma. Ele também coloca as reduções de aposentadoria propostas pela reforma da previdência de 2019 como uma ação da política neoliberal. "Essa política de restringir a renda das pessoas idosas faz parte de uma política deliberada de considerar o idoso um peso para a sociedade. Elas estão em um momento de usufruir daquilo que elas conquistaram e não em um momento de tirar delas aquilo que elas conquistaram. E não só pelas contribuições nas caixas, mas pela contribuição dos impostos. Quando uma pessoa idosa compra arroz, feijão, gás, e outros produtos, ela está pagando imposto. Então, é por isso que eu digo às companheiras e aos companheiros idosos dessa jornada da vida, não se sintam culpados pelo que está acontecendo na economia. Pelo contrário, quando há algum preconceito com a pessoa idosa, dizendo que elas tem que morrer porque são um peso para a sociedade, é pura visão de lucro. É o lucro que está na cabeça de quem tem preconceito. Então eles usam do preconceito para aumentar o seu lucro, e nesse sentido, é necessário as pessoas idosas defenderem a vida e a liberdade. Sem vida não há liberdade, então como é que elas vão ter liberdade se não têm as condições mínimas de vida daquilo que elas contribuíram e contribuem para a sociedade" pontuou.

 

Para finalizar sua fala, Vicente levantou novamente a bandeira de luta da pessoa idosa contra o preconceito incentivando que essa batalha seja tomada por meio da criatividade. "Nós temos que lutar contra os preconceitos, contra aquilo que eu chamo de velhofobia ou velhismo, que é a ideia de considerar o velho descartável, inútil, incompetente e feio. As pessoas mudam com a velhice, o visual fica diferente, e isso faz parte de uma nova maneira de ser no mundo, que não é o da competitividade mas o da criatividade. A velhice é um momento de criatividade que o neoliberalismo quer cortar considerando apenas a produtividade, mas se esquece de que nós, pessoas idosas, tornamos o mundo mais produtivo, inclusive por meio da criatividade."